“Jornalistas não devem ter medo da IA”, diz novo editor-chefe de A Gazeta

Em 2024, Geraldo Nascimento completa 20 anos na Rede Gazeta. Egresso do Curso de Residência em Jornalismo, ele ocupou as últimas duas décadas dedicando-se ao jornal impresso, à TV Gazeta, à Rádio CBN e ao site A Gazeta. Foi repórter, produtor, editor, âncora, chefe de reportagem, editor-executivo, chefe de Redação e, a partir desta quarta-feira (29) assume um dos maiores desafios da carreira: ser editor-chefe de A Gazeta e da CBN Vitória.

Na entrevista a seguir, Geraldo fala sobre as expectativas com o novo cargo, os aprendizados dos últimos anos e em que medida ser o primeiro homem negro à frente da Redação pode inspirar as novas gerações. Confira:

Você chegou à empresa em 2004, como aluno do Curso de Residência em Jornalismo. Quais aspectos desta trajetória poderão ser sentidas a partir daqui, quando assume o comando editorial de A Gazeta como editor-chefe?

As transformações estão cada vez maiores, mais velozes e também maiores são os impactos como um todo no nosso tipo de atividade. Temos acompanhado esses processos de perto. Por isso, posso dizer que as pessoas que consomem as informações produzidas em nossos veículos vão conviver cada vez mais com formatos diferentes, áudio, vídeo, texto, foto, ilustrações, enfim e testes em plataformas. Haverá participação cada vez mais frequente nos nossos espaços de decisão editorial, de modo que nosso conteúdo responda sempre aos interesses delas. Mas há questões que não mudam. Valores que estão espalhados por todos os cantos da empresa.

O compromisso com quem escolhe A Gazeta em busca de informação de confiança para tomar decisão, para participar do debate público, é um exemplo disso. Um trabalho incessante pela melhoria na qualidade de vida das pessoas, pelo desenvolvimento social, o crescimento econômico saudável e sustentável, enfim, nessa trajetória foi possível acompanhar muitas mudanças e o que continua cada vez mais sólido apesar das transformações.

Há menos de 5 anos A Gazeta passou por uma profunda transformação, extinguindo o jornal impresso, mas a marca fez a travessia para as plataformas digitais. Quais lições você tira desse período?

Uma lição importante desse período foi que a diretriz de compromisso com o capixaba se mostrou acertada. A Gazeta provou que não é a plataforma necessariamente que define o produto. A credibilidade e o rigor do profissionalismo no dia a dia são a essência de um trabalho que independe de onde ele é apresentado (no papel, na tela do telefone, no tablet, nas ondas do rádio, na televisão). Ganhamos o respeito do capixaba por meio de exemplos diários disso, praticados no nosso jornalismo. A informação precisa ser qualificada sempre, seja uma pequena nota, um serviço, uma análise, uma orientação, seja um alerta, uma grande reportagem ou um guia de diversão. Precisa ser do interesse das pessoas, sintonizada com as necessidades dessas pessoas, no tempo de entrega mais curto possível que o rigor de apuração permitir.

E o que há de desafiador ainda neste horizonte de jornalismo digital?

Vivemos num momento atravessado por muitos dados, várias fontes, um acesso desenfreado à tecnologia e, nesse meio, enfrentamos a desinformação e as mentiras espalhadas como se verdade fossem. Isso além do desrespeito à segurança de informações sensíveis de usuários no mundo digital como um todo. No caso das chamadas fake news, elas se proliferam com muita rapidez com o apoio da tecnologia e das plataformas que insistem em não se responsabilizar por essa parte prejudicial do negócio que conduzem. É um desafio enfrentar essa usina de desinformação até porque há a necessidade de todo um processo educacional forte na sociedade que não caminha na velocidade necessária para enfrentar o tamanho do problema.

É preciso organizar essa confusão informacional também, que dispensa a classificação do quão desafiadora é essa missão. Outro desafio é estar sempre preparado para participar das transformações pelas quais a nossa atividade passa com muita frequência. De preferência participar liderando essas transformações. Isso é desafiador na mesma medida em que é necessário se manter sintonizado com o som do nosso ambiente o tempo todo para captar os primeiros sinais que indiquem novos caminhos.

A Rede Gazeta é afiliada à Globo, que por sua vez vem demonstrando um interesse crescente pela representatividade, uma preocupação com questões de diversidade. A seu ver, ser um homem negro, o primeiro a comandar o primeiro produto da empresa, torna a missão mais emblemática?

É inegável o incômodo de estarmos falando de um Brasil que começou em 1500 e, em 2023, ainda falarmos de “primeiros” e “começos” nesse sentido. 523 anos depois do descobrimento ainda estamos descobrindo espaços de representatividade. Assumir essa função sem que a cor da pele tenha sido o que balizou a escolha é um bom começo de discussão sobre diversidade de modo mais natural.

As pessoas, suas habilidades e capacidades precisam ser o que levar em conta para definir papéis e oportunidades em qualquer lugar. Mas não se pode ignorar que escolhas conscientes pela representatividade são fundamentais no estágio em que estamos de avanços nesse campo. No fundo eu não gostaria que fosse emblemática a minha missão, mas entendo que o contexto leve a isso. Entendo que essa presença também pode provocar nas pessoas pretas algum estímulo para persistirem em alcançar espaços até outro dia restritos a um tipo de cor da pele.

No jornalismo, diversidade é fundamental. É ponto de vista diferente, é outro olhar, é equilíbrio, além de ser uma oportunidade de oferecer a quem nos lê, nos ouve ou assiste uma qualidade maior nas perguntas, nas abordagens, nas escolhas das histórias de vida, pela participação plural da redação. Se essa nova função, nessas condições, ajudar a provocar reflexões de modo geral sobre representatividade, diversidade, ajude a diminuir barreiras e encurtar distâncias, então, sim, que a missão seja emblemática.

Como A Gazeta tem trabalhado sobre a questão da inteligência artificial? Na sua opinião, a IA é uma adversária do jornalismo? Pode haver um canibalismo aí?

A Gazeta tem trabalhado no campo exploratório, com algumas iniciativas inovadoras no uso da IA. A Rede Gazeta como um todo tem se preocupado com isso, estruturou uma diretoria específica para lidar com inovação e tem disseminado essa cultura por todos os ambientes. No jornalismo, temos estimulado nossos repórteres a dominarem as possibilidades, conhecerem, não se distanciarem das inovações tecnológicas que podem, sim, ajudar no trabalho. Temos grupos de jornalistas lendo, pensando, usando ferramentas apoiadas em IA, discutindo formas e formatos de dominar o uso desses elementos. Jornalistas não devem ter medo da inteligência artificial. Até porque não adianta muito temer. Precisam conhecer, discutir conceitos, formular diretrizes éticas, enfim, temos que pensar em formas de usar a inteligência artificial principalmente como meio, não como fim.

Esse é mais um movimento disruptivo que envolve a nossa atividade. E penso que dificilmente vamos estar totalmente prontos para eles. Mas precisamos estar sempre preparados para participar desses movimentos com muita determinação até porque há desafios como a própria desinformação gerada nesse contexto. Participando e entendendo, a gente pode descobrir outros caminhos, atalhos e se destacar, preferencialmente.

Você assume meses antes do início de um ano eleitoral. Os últimos anos em que tivemos eleições mostraram-se um tanto quanto difíceis para o jornalismo devido ao ambiente polarizado e as fake news. Além disso, A Gazeta tem tradição em coberturas políticas. O que o capixaba pode esperar para 2024?

O ambiente polarizado acabou facilitando a disseminação de mentiras e de informações que jogam – e contam – com as sensações das pessoas, guiadas fundamentalmente pelas emoções, afastando a objetividade. O capixaba pode esperar neste ano de 2024 por um trabalho ainda mais focado na prestação de serviço ao cidadão e no fornecimento de informações que ajudem a sustentar o ambiente democrático. Num jornalismo que fiscaliza, que aponta problemas, mas que joga luz nas soluções, que indica caminhos também. E penso que vamos passar por um aprofundamento na leitura dos problemas reais das pessoas, aqueles que tocam suas vidas diretamente.

Nos momentos eleitorais, sobretudo, esses problemas precisam ser evidenciados e contar com o compromisso dos candidatos para resolvê-los. Na última semana, um dado chamou muito a minha atenção de que mais de 600 mil pessoas no Espírito Santo não recebem água tratada em casa. Pare um pouco para pensar nisso… é ou não um absurdo? Temos um trânsito assassino em várias cidades do Estado. Até o mês passado, em 43 dos 78 municípios do ES mais pessoas morreram no trânsito do que em assassinatos… Tem gente saindo do trabalho meia-noite e só chegando em casa por volta de 2h30 da madrugada por causa de falta de transporte. Só para citar alguns dos problemas reais que precisamos nos aprofundar e contar que os políticos, principalmente eles, também façam isso.

Para você, o que o leitor de A Gazeta só encontra neste site? Se pudesse eleger três palavras-chave para determinar o trabalho que será desenvolvido a partir daqui, quais seriam elas?

O leitor de A Gazeta, o ouvinte da CBN, encontram aqui jornalistas totalmente comprometidos com a busca pela informação que melhore a sua vida. Vou me permitir ampliar o que me perguntou para uma frase de três áreas em vez de palavras, e dizer que teremos um jornalismo com mais participação das pessoas, preocupado sempre em melhorar o ambiente em que vivemos – desde um problema da sua rua até os grandes temas estruturantes do Espírito Santo -, além de vibrante e transformador.

A Gazeta mira o futuro do produto digital e cria modelo para gerenciar estratégias e entrega de conteúdo

Para acompanhar o movimento dos maiores sites de notícias do Brasil e do mundo, a Rede Gazeta anunciou, nesta quarta-feira (29), a criação de uma nova estrutura de governança estratégica de seu principal produto digital, o site A Gazeta. A jornalista Elaine Silva, que desde agosto de 2019 atuava como editora-chefe do veículo e da CBN Vitória, assume o cargo de gerente-executiva de produto, e passa a liderar um time focado em performance, metas e inovações para se aproximar ainda mais os leitores e o mercado anunciante.

Com experiência de quase 25 anos na empresa, Elaine passa a liderar o time de Produto Digital, uma equipe formada por profissionais de Jornalismo, Inteligência de Dados, SEO e Marketing. O modelo está na vanguarda das melhoras práticas de redações do país, e visa construir, já para o começo de 2024, uma visão estratégica de sustentabilidade e inovação do site.

 

“Poucas redações do Brasil têm, hoje, uma gerência-executiva de produto. Muitas têm uma posição semelhante, mas com atuação de facilitador e administrador de backlogs. Entretanto, há uma tendência recente no Jornalismo que é o de ter um gestor com visão geral de sustentabilidade e performance do produto como algo que é consumido e que, portanto, precisa atender às demandas da audiência e do mercado anunciante”, explica Elaine. A nova gerência é fundamental na tomada de decisões sobre o que deve ser desenvolvido, considerando tanto as necessidades dos usuários quanto a estratégia do site jornalístico.

O diretor de Inovação e Novos Negócios da Rede Gazeta, Dudu Lindenberg, a quem o time de Produto Digital se reportará, elogia as credenciais de Elaine para assumir o cargo, que é inédito na organização. “Elaine tem o DNA da Rede Gazeta, foi a editora-chefe que conduziu um dos capítulos mais relevantes da história – quando abraçamos de vez as plataformas digitais – e, além disso, tem a confiança dos times e uma visão ampla sobre a relevância do veículo. Estou certo de que o trabalho que começamos aqui é um marco para nossa visão de futuro”, diz Dudu.

Independência editorial

A jornada de inovação e de transformações de A Gazeta mantém intacto um compromisso público com o capixaba, que vem desde 1928: a independência editorial e o foco em jornalismo profissional para contribuir com o desenvolvimento do ES. E quem herda de Elaine Silva a missão de comandar o site de notícias mais longevo do Estado é o jornalista Geraldo Nascimento.

Especialista em experiências digitais, gestão e engajamento e Master em Jornalismo, gestão estratégica e marcas, Geraldo está na Rede Gazeta desde 2004. Agora, como editor-chefe de A Gazeta e CBN Vitória, atuará lado a lado com o editor-chefe de Telejornalismo, Bruno Dalvi, na Redação de Jornalismo.

“O compromisso com o leitor é algo que A Gazeta preserva desde seu início, há 95 anos. Recebo essa missão com esse compromisso e o de dar continuidade ao trabalho focado na transformação digital, na entrega de conteúdo em diferentes plataformas e no equilíbrio jornalístico. A Gazeta seguirá como o veículo que mais conhece o Espírito Santo”, frisa Geraldo.

O diretor de Jornalismo, Abdo Chequer, destaca a carreira de Geraldo como “brilhante” e reitera a confiança no trabalho que será desenvolvido: “Geraldo entrou na empresa como aluno do Curso de Residência, foi repórter do jornal impresso, da TV, e liderou diferentes times. Suas marcas são a gentileza, o equilíbrio, a capacidade de escuta. Bom jornalismo se faz com esses fatores, e estamos seguros de que as mudanças só vêm fortalecer nosso compromisso com o Espírito Santo e com os cidadãos”.